Monday 29 June 2009


algo em ti me sobrevive

Sunday 21 June 2009

as tuas mãos fecham-me os olhos à noite
percorro seu movimento vigilante em direção ao centro
sinto o toque da pele aquecida
a curva nervosa das costas
a firmeza dos músculos expectantes
os joelhos como inflorescências tensas
a boca a um instante do nome
viro-me
e acordo

Não sei se as vogais,
se a profundidade que emprestas às palatais,
se a articulação às vezes aflita das permissivas labiais.

Talvez a ressonância,
combinação explosiva a vagar pelo espaço.
Talvez a espera construída,
consciência interna dos poros do ouvido.
Talvez a aguda penetração,
dos espaços livres entre os ossos do meu crânio.

Talvez a preparação e a astúcia auditivas.
Talvez a reação ao impulso da voz.
Talvez o sopro, emissão do que é.

Talvez assim quem sabe a calma das vagas deste dia de hoje
e a sua importância resolvida.

Saturday 20 June 2009

Súbito rasgar de sedas e as mãos do tamanho dos ossos.

Manchas entrelaçadas no espaço,

e as mãos perdidas, soltas, tão grandes e potentes,

silenciosas ao passares por trás.


Não interrompo o silêncio do teu monólogo, mas

percebo teu movimento inexato

e o anoitecer do vazio da estrada.

Thursday 18 June 2009

se é de asas que precisas
ser alado ao teu lado serei

se é o solo firme que procuras
em teu ser rastejante me transformarei

por ti
volúpia mimética
um gesto que se torna momento
e o silêncio do teu tempo abraçado ao que resta do meu

Tuesday 16 June 2009

Veja bem: é quase nada,
umas poucas palavras.

Repito-as como mantra
e ganham sentido
intenção oculta
significado de nome
esperança.
A minha alma decidiu hoje caminhar ao meu lado,
asas recolhidas talvez por decoro;
olhos pregados no chão, abrindo gretas fendas brechas
por onde a luz fulgurante se esvai e
quer fazer-se ao ar, fugir à terra, entregar-se ao espaço.

A minha alma tem aprendido
pregado os seus olhos
recolhido as suas asas.
As minhas têmporas se enrugam num susto.
Interrogam-me por três vezes.

Sobrevivo pregada e recolhida?
Apesar das gretas fendas brechas?
Apesar da renúncia e da terra vermelha e barrenta que agarra?

Quanto de mim mesma renego ao entregar-me ao teu tempo?

Sunday 14 June 2009

Há uma coisa, sim, que quero.

Que as minhas palavras te façam sem querer estremecer e entrecerrar os olhos.
Que as minhas palavras te façam arquear as costas no momento em que as lês.
Que as minhas palavras te façam num relance olhar por cima do ombro.
Que num ímpeto fugidio queiras escondê-las,
por descobrires que são mais do que apenas tuas.


Faço-me solidão em silêncio.

Faço-me solidão espécie suicida de muitas idas e
nenhuma volta
nenhum retorno
nenhum escudo.
Nenhuma pequena vala comum no fim do túnel.

Faço-me sozinha e às vezes aflita.
Sozinha e por vezes contrita fechada
por dentro desse silêncio à força de escrever aos gritos.

Faço-me sozinha e às vezes aflita.
Sozinha e às vezes cativa aflitamente cativa
da solidão e do silêncio opalino
da tua voz.

Saturday 13 June 2009

Palavra
meu reino
minha substância
meu despreparo.

Entrego-te tudo o que sou e tenho sorte:
às vezes devolves-me a mim mesma.
Outras encostas-me à parede
e não me dás as respostas que quero.
Deixas-me a navegar em silêncio,
num mar parado e sem vento,
nada à popa nada à proa,
apenas o escuro azul no mar em volta.
Tenho de sair dali sozinha
sem a âncora dos teus verbos teus pronomes
esses que pronuncio temente de que descubras qual o nome que não se atreve.
Mas quando me liberto,
e me lanço às águas de olhos fechados,
e grito teu nome à entrada da tua casa,
encontro-me enfim devolvida a mim mesma
num estado mais antigo do que antes.

Devolução rápida.
Apenas me atinge, volto à cor do mesmo dia de ontem.



Invento um tempo na minha palavra,
e se estás em mim é porque o meu tempo
é essa minha palavra inventada.

Existes porque te escrevo.

Posso penetrar-te e incorporar-te,
posso dizer e ser dita,
perfurar-me sem sangue e
vestir-me agonia no esvaziar das veias.
Quero ser-me todo dia.

Os canais dos meus rios estão abertos
para que me navegue e descubra
cada uma das palavras que ainda não sou.
Invento o tempo em que me crio
eu própria feita linguagem.

O risco que corro é assassinar o tempo inventado.

E quando quero sonhar-te ao meu lado
e acordo com a impressão dos teus dedos,
preciso tirar do fundo da cama a caixa
onde as minhas palavras se guardam à noite,
e soltá-las todas todas todas
todas soltas e abertas e vorazes
asas palavras na imensidão dos meus sonhos.