Monday 28 September 2009

Não aprendi a calar-me.
Escrevo e falo ora sem pensar, ora fazendo-o em excesso.
Falta-me a medida serena e equilibrada do traço, mas por muito que tente encontrar uma solução, as letras insistem em escrever-se e os esboços de fala persistem nos seus ensaios.
Ter plateia ou não, ser ouvida, lida, ou não, deixa de ter importância - embora em momentos como os de agora eu consiga corroer-me por dentro enquanto impassível me observam de fora.
Não é tanto o poder ser ouvida quanto o dizer e não calar: aquilo que em outros vive represado decidiu em mim escapar pelas comportas, invadir o leito dos rios ressequidos e dar de beber à sede que houver pelo caminho.
Seja ou deixe de ser a minha.
Compraz-me pensar assim, que sou bebida pelos entes sedentos, e que os leitos dos rios me percorrem e possuem. Compraz-me mas não totalmente - há dias em que serias tu aquilo que me calaria e me faria parar de pensar.
Se apenas quisesses, serias a minha solução.

Thursday 3 September 2009

é o ar que não quer sair
e não outra coisa que me sufoca
como se me afogasse num meio gasoso
alheio à desconstrução das mãos

sem rota de fuga
e em dias como este,
a minha alma se tinge de anil

Thursday 27 August 2009

não tanto quando te vejo
mas muito mais quando te trago de volta comigo

confirmo-te inteira
sangue das minhas noites
o que sou e o que faço


Thursday 16 July 2009

Em volta dos dias em que me desespero
há aqueles em que me subtraio
na esperança do delta dos teus braços.

Monday 29 June 2009


algo em ti me sobrevive

Sunday 21 June 2009

as tuas mãos fecham-me os olhos à noite
percorro seu movimento vigilante em direção ao centro
sinto o toque da pele aquecida
a curva nervosa das costas
a firmeza dos músculos expectantes
os joelhos como inflorescências tensas
a boca a um instante do nome
viro-me
e acordo

Não sei se as vogais,
se a profundidade que emprestas às palatais,
se a articulação às vezes aflita das permissivas labiais.

Talvez a ressonância,
combinação explosiva a vagar pelo espaço.
Talvez a espera construída,
consciência interna dos poros do ouvido.
Talvez a aguda penetração,
dos espaços livres entre os ossos do meu crânio.

Talvez a preparação e a astúcia auditivas.
Talvez a reação ao impulso da voz.
Talvez o sopro, emissão do que é.

Talvez assim quem sabe a calma das vagas deste dia de hoje
e a sua importância resolvida.

Saturday 20 June 2009

Súbito rasgar de sedas e as mãos do tamanho dos ossos.

Manchas entrelaçadas no espaço,

e as mãos perdidas, soltas, tão grandes e potentes,

silenciosas ao passares por trás.


Não interrompo o silêncio do teu monólogo, mas

percebo teu movimento inexato

e o anoitecer do vazio da estrada.

Thursday 18 June 2009

se é de asas que precisas
ser alado ao teu lado serei

se é o solo firme que procuras
em teu ser rastejante me transformarei

por ti
volúpia mimética
um gesto que se torna momento
e o silêncio do teu tempo abraçado ao que resta do meu

Tuesday 16 June 2009

Veja bem: é quase nada,
umas poucas palavras.

Repito-as como mantra
e ganham sentido
intenção oculta
significado de nome
esperança.
A minha alma decidiu hoje caminhar ao meu lado,
asas recolhidas talvez por decoro;
olhos pregados no chão, abrindo gretas fendas brechas
por onde a luz fulgurante se esvai e
quer fazer-se ao ar, fugir à terra, entregar-se ao espaço.

A minha alma tem aprendido
pregado os seus olhos
recolhido as suas asas.
As minhas têmporas se enrugam num susto.
Interrogam-me por três vezes.

Sobrevivo pregada e recolhida?
Apesar das gretas fendas brechas?
Apesar da renúncia e da terra vermelha e barrenta que agarra?

Quanto de mim mesma renego ao entregar-me ao teu tempo?

Sunday 14 June 2009

Há uma coisa, sim, que quero.

Que as minhas palavras te façam sem querer estremecer e entrecerrar os olhos.
Que as minhas palavras te façam arquear as costas no momento em que as lês.
Que as minhas palavras te façam num relance olhar por cima do ombro.
Que num ímpeto fugidio queiras escondê-las,
por descobrires que são mais do que apenas tuas.


Faço-me solidão em silêncio.

Faço-me solidão espécie suicida de muitas idas e
nenhuma volta
nenhum retorno
nenhum escudo.
Nenhuma pequena vala comum no fim do túnel.

Faço-me sozinha e às vezes aflita.
Sozinha e por vezes contrita fechada
por dentro desse silêncio à força de escrever aos gritos.

Faço-me sozinha e às vezes aflita.
Sozinha e às vezes cativa aflitamente cativa
da solidão e do silêncio opalino
da tua voz.

Saturday 13 June 2009

Palavra
meu reino
minha substância
meu despreparo.

Entrego-te tudo o que sou e tenho sorte:
às vezes devolves-me a mim mesma.
Outras encostas-me à parede
e não me dás as respostas que quero.
Deixas-me a navegar em silêncio,
num mar parado e sem vento,
nada à popa nada à proa,
apenas o escuro azul no mar em volta.
Tenho de sair dali sozinha
sem a âncora dos teus verbos teus pronomes
esses que pronuncio temente de que descubras qual o nome que não se atreve.
Mas quando me liberto,
e me lanço às águas de olhos fechados,
e grito teu nome à entrada da tua casa,
encontro-me enfim devolvida a mim mesma
num estado mais antigo do que antes.

Devolução rápida.
Apenas me atinge, volto à cor do mesmo dia de ontem.



Invento um tempo na minha palavra,
e se estás em mim é porque o meu tempo
é essa minha palavra inventada.

Existes porque te escrevo.

Posso penetrar-te e incorporar-te,
posso dizer e ser dita,
perfurar-me sem sangue e
vestir-me agonia no esvaziar das veias.
Quero ser-me todo dia.

Os canais dos meus rios estão abertos
para que me navegue e descubra
cada uma das palavras que ainda não sou.
Invento o tempo em que me crio
eu própria feita linguagem.

O risco que corro é assassinar o tempo inventado.

E quando quero sonhar-te ao meu lado
e acordo com a impressão dos teus dedos,
preciso tirar do fundo da cama a caixa
onde as minhas palavras se guardam à noite,
e soltá-las todas todas todas
todas soltas e abertas e vorazes
asas palavras na imensidão dos meus sonhos.



Tuesday 26 May 2009

Reciprocidade

Quero costurar-me à tua pele
e tornar-me tua substância interna.
Costurar-me e pertencer-te
de forma que sequer percebas
nem precises escolher recusar
porque de oferta de amor
em estado bruto e puro
se trata.

Costurar-me em pontos pequenos
apertados e escondidos
pontos que te atiçem os nós dos dedos,
para que possas um dia
possuir a própria costura
e costurar-te, como oferta,
que nem aceito nem recuso
porque de amor
em estado bruto e puro
se trata.
É do

imperceptível ao sol brilhante
que se esconde debaixo das máscaras
que se resguarda da vida do mundo

que eu mais gosto.
A palma da minha mão
desdobra-se para recolher os teus dedos.
Fecho-a e descubro-a vazia:
os teus dedos sempre me escapam.

Consigo guardá-los nos olhos,
e assim eles me acompanham,
mas as minhas mãos se ressentem
pois também querem os teus sentidos.

Penso em recolher-te de outra forma,
mas de qualquer uma que imagine me escapas.
Não sei se insisto, se desisto,
ou se guardo os gastos chavões
para me fazerem companhia à noite,
quando os teus dedos me invadem
e encobrem absolutos as saudades
do âmbar neutro dos teus olhos.

Tuesday 19 May 2009

quanto mais longe, mais forte
quanto mais forte, mais longe
quanto mais tudo, menos alcanço
quanto alcanço, tudo perco

Monday 27 April 2009

instalo a tua imagem
num lugar inacessível
e num sussurro que quase não ouves
digo-te que às vezes escuto teus passos

Monday 13 April 2009

escrito inteiro

quero-te escrito por inteiro,
como se querem as palavras
umas às outras,
quando se desgarram
em torrentes da ponte do lápis que seguro entre os dedos,
e aprisionam a lenta caminhada do sangue em minhas veias

por inteiro e por escrito,
para que as entrelinhas estejam nas linhas,
todas elas escritas com o mesmo sangue
que não atravessa inerte a barreira do lápis
Há um sagrado que apenas as palavras habitam,
fagulhas em subida incandescente na direção do céu escuro
a passeio montadas nas suas suaves e soluçantes ondas

Se as sigo, fogem.
Se as encontro, estalam.
Só elas sobrevivem ao que está ao seu alcance.

Na maioria das vezes, valem o que estilhaçam.
Eis-me desamarrada, tal como previras.

Não sem dor, nem sangue,
nem sem querer voltar atrás
e não poder
porque tudo já está na frente, adiante,
agora - por que esperar?

Eis-me aqui, desamarrada e desarmada.

Tu que previste o fim das minhas cordas,
sentas-te e olhas-me do fundo dos tempos,
teus olhares como cordas que não mais me acordam
mas me armam me recordam me amam.

Eis-me
desamarrada
desarmada
pobre, seca e espalmada na parede onde antes
me amarravas e armavas com as tuas palavras.

Saturday 4 April 2009

Há uma camisa
em que gosto que te recolhas.
Ao te virares
faz menos sombras,
os teus olhos
brilham mais nítidos,
e a aragem que levantas
entorpece-me mais os sentidos.

Tuesday 24 March 2009

resto-me desapareço submerjo desfaço-me
à minha volta
o silêncio impenetrável
o olhar de âmbar desbotado
o perigo do quintal dos outros
o coração a incendiada respiração aflita

volto apago-me desinflamo os nervos da pele
aplico as saudáveis e transparentes compressas do amor próprio
invado-me violento-me desgarro-me para dentro de mim
para não ir ao teu encontro
encontro a solidão ao meu lado e viro-me para o outro
a porta está fechada e tu estás
mas não abres, nem eu abro
nem eu sei nem eu peço nem eu falo nem eu nada

tudo faz em mim e eu não faço

fico à espera, sentada à borda d'água
diante do espelho infiel da tua alma
perdida nas miragens nas incertezas nas impurezas perfeitas

diante do que trazes
retraio encosto meu estômago às paredes das minhas costas
percorro aflita as janelas entreabertas das casas que me habitam

nada me diz me faz me respira me é nada
a não ser o meu desejo incontrolável de que seja
e a minha tortura diária de a todo custo
não querer livrar-me de mim

Monday 23 March 2009

Os gestos
imprecisos
do mar da minha ilha
entreabrem-me os sonhos aos gritos.

Entregam-me às vagas entranhas doces
das nuvens altas plenas de canto.
Controem-me ventos sem tréguas por todos os ramos
enquanto sussurram e me desatam das velas sonoras do manto da vida.

A cada golpe do tempo, sou sua construção desconstruída.

E não há nada, a não ser o azul e o alívio do fardo dos dias.
Voltas por um instante
e ocupas todo o espaço,
numa reconstrução precisa potente exata
da queda que perfaço dia a dia.

Nada disto é fácil
mas tudo isto é ímpeto.

E eu me entrego
porque não há porque não
e eu me revelo e me retorço e me descubro
face oculta do quarto escuro onde guardo a tua imagem.

Tu não voltas
não te entregas
não permites que a minha mão se aproxime
nem que a minha ideia te toque
mas eu te percebo atento
porque és forte no meu pensamento
e denso no espaço ao meu redor.

Sunday 22 March 2009

Ousar:
uma fagulha que se desprende
um pensamento que se sobrepõe
uma vontade que se avoluma
um proibido que se possível
um perigo a rugir no quintal

Thursday 19 March 2009

A dureza dos muros à minha volta
A sensatez limitante do espaço
A agonia refletida na limpidez do espelho
Os esboços retidos no ventre
As aparas do sentir
O fio perdido da eternidade

A dor de arrancar do peito à força
o contorno de um coração que não me pertence

Wednesday 18 March 2009

Acordo fechada estremecida
com a respiração à espera.

É a mesma parede dura à minha volta
o mesmo fosso de pedra
a mesma janela inútil.

(Não me iludo nem me perco
daquilo que sonho. Vejo tudo e nada alcanço.)

O muro fecha-se sobre mim,
e quando me aproximo e levanto as mãos
as pedras esboroam-se no ar
porque são feitas de vento
porque sou feita de vento
porque és vento e não és feito.

Atiro-me ao alto
esperando encontrar-te na caída
mas não há nada a não ser nuvens
que me atravessam como facas
que me engolem cospem
gritam que me vá que esqueça
que mergulhe no mar de lodo que me apresentam
e que nelas deseje afogar-me porque não posso encontrar-te.

Desfaço-me nas lágrimas que não choro
e canso de olhar-me no espelho
e ver refletida uma espera inútil e estúpida
que não se move nem se acaba
mas permanece ansiosa e austeramente atenta.

E a cada fim o olhar que persegue
o passo que insinua o caminho que não se atreve.

Imaginar-nos suspensos no ar das próprias durezas
presos às decências das certezas
inertes diante dos desejos que afloram e regurgitam sensatez
num movimento de estômago doente que não sabe digerir-se
e se transforma no tédio assustador dos sentidos,

e querer-nos livres e libertos,
soltos dos fios que torcem e enfeiam.
Querer-nos possíveis de alcance.
Querer-nos fogo.
Querer-nos difusos, mas presentes.

Monday 9 March 2009

lisboa

entre paisagem e ficção
flutuas à minha volta
como um vento acre e salgado
que soprasse do mar que te engole

mostras os dentes selvagens
entre as gengivas que me devoram
e nada pareces respirar
do oxigênio que me roubas quando acordo

faca, lança, flecha cravada
no centro da minha carne em chamas
és um misto de raiva perfurante
e pesadelo de bagas suor madrugada

o que exalas é o que pensas
e nada do que sinto preenche
o espaço que arrancas à força
de cada um dos meus dias

atônita assisto em agonia
e antes fosse esse um estado eterno
e não apenas uma fugaz amostra
daquilo que me consome no tempo

atravesso as noites de areia
com o camelo da tua lembrança
agarrado à minha esquerda,
seguro numa mão que não prende

antes escora a rédea escura

areia e areia a toda a volta:
nem praia nem mar batido na rocha
areia de coração embrulhado
nos lençóis do teu vento azedo
Os vãos das escadas antigas
apagam-se das casas da minha cidade.
Cada pedra arrancada, espádua rasgada,
subtrai-me à existência do mundo
e pouco escapa à fúria que dilacera o tempo.

Estar de pé e viva não é nada:
pior é andar entre mortos
e encontrar secos em cada esquina
os cadáveres de cada um dos pequenos amores negados.
um fio entre nós,
feito de luz
escuridão.

um fio que aproxima estica
não arrebenta
por mais que force torça suplique

um fio que trago bebo sorvo
farta até mais nada existir

a não ser
eu
tu
o fio.

Sunday 8 March 2009

Há uma camisa
em que gosto que te recolhas.
Ao te virares
faz menos sombras,
os teus olhos
brilham mais nítidos,
e a aragem que levantas
entorpece-me mais os sentidos.

Tuesday 13 January 2009

entre meus desejos de ano novo
figuras em primeiro tempo

olho para os meses à minha frente
e em cada um desenho um pedaço de ti em mim

das pontas dos dedos às pálpebras dos olhos
tudo se encontra sob a pele da memória
A curva do teu antebraço
acompanha-me de perto,
respirando-me através da pele,
refulgindo como escama azul de peixe noturno.

A curva do teu antebraço
é como a do meu caminho:
não vai, não volta, e é feita de pensamento.